sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Os Pesadelos de Laerte

Mais uma vez trazendo uma personagem de Sandman até vocês!
Delírio é a irmã mais nova dos Perpétuos, porém aparenta saber mais do que o próprio Destino. Seres humanos podem visitar seu reino facilmente, mas não o compreendem, por ser um emaranhado de cores e formas estranhas em mudança constante. Sua aparência também é variada, preferindo quase sempre uma criança de no máximo 14 anos com cabelos alaranjados, entretanto possui sempre olhos dispares, um azul e outro verde, pelos quais vê o mundo de maneiras diferentes. Também é muito apegada a seu irmão Destruição, do qual recebe um guardião, o cachorro Barnabás.
A personalidade de Delírio também é instável e facilmente abalada, e ela não consegue se concentrar por muito tempo numa só coisa. Quando o faz, sente dor.
Delírio um dia foi Deleite e só ela mesma sabe o por quê mudou. Dizem que no futuro mudará outra vez.
Para quem quiser conhecê-la - de preferência não pessoalmente - recomendo a hq Sandman. O texto abaixo é de minha autoria, inspirada na personagem e baseada num cenário criado por um amigo meu. Espero continuá-lo em breve.

"Uma mancha colorida num quadro sujo, ela cantarolava a traçar caminhos aleatórios na metrópole adormecida. A ruiva não fazia parte dali, com suas roupas esfarrapadas e o balão-peixe-voador. Não fazia parte de lugar algum, com aquele sorriso alegre e ingênuo, imune a tudo e a todos.
Delirium tinha consciência, de fato. Uma consciência ampla, superlotada, entrelaçada em nós, cores múltiplas, formas indistintas, pensamentos irregulares invadidos pelo inconsciente individual e universal, aquele emaranhado de fios de fones de ouvido, colares ou tecidos que só os bolsos são capazes de fazer. Tal loucura singular e perpétua gerava uma imagem instável que era, acima de tudo, o que ela era: Delirium, um tornado de tudo, com seu confuso comportamento e ponto de vista. Durante os raros minutos em que, por um motivo ou outro, dedicava-se a extrair algo lógico de si, sentia dor. Jamais poderia ir totalmente contra si mesma, afinal.
A única coisa que lhe fez perceber a travessia para aquela dimensão desconhecida foi um leve tremor astral, decaindo da cidade calma para um terror ininterrupto de onde se extrai os pesadelos. Caíra no jardim preto-e-branco, que lhe enchia os olhos dispares de curiosidade infantil. O ar era coberto por uma bruma densa e gelada. Brisas tímidas reviravam algumas folhas secas pelo chão e balançavam as que resistiam nas árvores ao redor do jardim.
- Um lugar novo, peixinho! – disse alegremente para o balão-peixe-voador, que era indiferente à vida, tendo em vista que não vivia.
Ela olhou para os montes de flores no jardim, brancas ou cinzentas, e meneou a cabeça, cheia de decepção. Aquelas flores pareciam mortas há séculos, sem exalar cheiro – a não ser do puro medo – nem vibrar com luzes únicas de suas próprias essências, como ela mesma trazia - em vestes rasgadas e cabelos alaranjados - os tons de seu humor. Delirium se aproximou das rosas e se inclinou para tocá-las, quando um barulho intenso de plantas se movendo lhe chamou a atenção. Atrás de si, uma criatura estava.
A menina não era imune ao medo, como se pode pensar. Del o sentia como um humano qualquer, mas o interpretava de formas diferentes das convencionais. Ela não gritou, nem tremeu ou urinou em seu short. Ela apenas inclinou a cabeça um pouco para a direita, com seus olhos arregalados.
A criatura soltou um grito grave e desafinado por entre suas fileiras de dentes falhos. Ele – ou ela, mas vamos ficar com ele – era um monte de pele rasgada e membros desproporcionais que não lhe permitiam um bom equilíbrio. A pele, aliás, não cobria direito a boca ou os olhos, era puxada para baixo, dando-lhe uma expressão de agonia e puro medo. Aquele corpo disforme e grotesco não era o dele. Ele estendeu um braço com dedos de tentáculos para Delirium, que estava a alguns metros de distância. Os tentáculos se chocaram forte contra o chão e foram arrastados de volta para o lado do monstro, deixando uma trilha de sangue com manchas verdes em alguns pontos. A criatura rugiu de novo e teria chorado se tivesse lágrimas. Ele começou a se arrastar lentamente, com uma perna mais grossa e outra mais fina, para perto da ruivinha.
Ela olhou para o balão-peixe-voador mais uma vez.
-Peixinho, ele está perdido, temos que ajudá-lo. – a criatura caminhava com uma respiração pesada e exausta, os olhos percorrendo a menina numa velocidade insana, Del lhe observava com pena – Ele parece com hm... fome também.
Foi então que o peixe se mexeu. A cauda balançou e ele nadou no ar para perto do monstro, com Delirium ainda segurando a ponta de sua corda. O monstro já estava próximo e olhou para o balão, confuso, mas furioso. Quando sua boca rasgada se abriu para um novo grito, o peixe – que não era muito grande nem muito pequeno - entrou nela e a entupiu.
O peixe não era real, era uma criação da garota, mas ela sim era tão real quanto à criatura perdida, que já fora um homem a também se aventurar naquela dimensão. As cores que formavam o balão espalhavam-se para dentro do monstro, sem colori-lo com a vida que lhe fora negada, mas saciando-o com deleite pelo gosto da carne. Apenas uma sensação, contudo poderia significar muito para criaturas desesperançadas como ele. O monstro grunhiu, uma baba espessa e podre escorrendo pela gengiva sobressalente, e sua boca se abriu mais que o possível, como a boca de uma cobra, engolindo.
Delirium sorriu para ele, e o monstro lhe fitou ainda mais assustado do que quando a encontrara, mas também maravilhado.
Hm”, ela olhou envolta, semicerrando os olhos como se isto lhe ajudasse a ver através da névoa. Um caminho mais escuro, de pedras entre a floresta, estendia-se até onde ela ainda não podia ver.
- E então, meu novo amiguinho, vamos ver o que encontramos neste lugar novo. – e abriu outro grande sorriso para o monstro.
Ele grunhiu, porém ela já começara a andar em direção à trilha, e o fio que a ligava ao peixe ainda saia de dentro da boca dele. Ele a seguiu sem relutar. Não se sabe até quando..."




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